“Era perfeita simetria; éramos duas metades iguais. O teu maior defeito talvez seja a perfeição…”

Poster do filme Black Swan

Saí ontem da sala de cinema absurdamente maravilhada com o filme Black Swan: seja pela fotografia, pelo modo como a câmera nos mostra os acontecimentos, a atuação fenomenal da Natalie Portman, o forte apelo sexual do filme, a mãe controladora (e insana) da personagem Nina (Natalie Portman) e a esquizofrenia latente desta última.

Não sei fazer críticas de cinema e nem me atrevo a experimentar esse ofício neste blog, mas posso dizer que o filme me impressionou e que a partir dele me surgiram idéias relacionadas à dominação materna (e dos que cercam a personagem Nina), à fragilidade,  quanto a busca pela perfeição e o medo do erro.

Não quero estragar o filme com spoliers para os que ainda não o assistiram, por isso só falarei de questões que podem ser extraídas do próprio trailer.

Nina é uma mulher sensível, fraca, que não se opõe às domições que a rodeiam, tendo medo de expressar suas opiniões. Sempre que tenta se contrapor a alguma idéia ou atitude que a oprima, recua no primeiro olhar de ameaça.

Sua mãe, uma bailarina frustrada por nunca ter tido um papel de maior importância – tendo que abandonar a carreira em razão da gravidez inesperada de Nina (gente, isso é bem no início do filme, nem estraga nada saber) – coloca na filha as esperanças de uma grande carreira. Para tanto, Nina é cercada de cuidados (mimos) e tratada como criança, sendo privacidade algo que ela pouco conhece. A mãe quem a coloca para dormir, quem a veste e quem – com uma enorme carga metafórica no ato – corta suas unhas. Por outro lado, essa mesma mãe parece não querer o sucesso da filha (talvez por inveja de nunca tê-lo conseguido). Enquanto naquelas características as atitudes da mãe estejam sempre permeadas pelas ameaças e controle absoluto sobre a filha, na segunda (inveja) suas atitudes são de carinho, compaixão e aparente compreensão dos dilemas vividos por Nina.

Para mim, eis aqui a primeira dialética do filme, com as contraposições constantes da relação da mãe com a filha: ameaça x apoiar a carreira; carinho x inveja da carreira. Não é a toa que a personagem Nina demonstra evidentes traços de esquizofrenia, os quais a mãe – ainda que os conheça – tem como manias de criança.

Tudo o que cerca a vida de Nina é a pressão pela perfeição, a disputa entre as colegas de balé e o medo de errar, o qual pode decorrer tanto da falta de treino, como do avançar da idade. Este, aliás, como barreira intransponível: ainda que perfeita a balarina, a idade impõe-lhe o dever da aposentadoria, não sendo admitido pelos demais que a carreira seja mantida. Esse discurso bem me lembra a profissão de modelo, em que a beleza e a perfeição tem prazo de validade curto e estanque, como mofos no pão que impedem seu aproveitamento como um todo.

Toda essa pressão sobre Nina potencializa sua esquizofrenia e faz aflorarem os sentimentos sempre escondidos ou reprimidos, principalmente no que tange a sua sexualidade  – ao que parece, Nina nunca teve um orgasmo ou, se teve, poucos foram (ops, soltei um spolierzinho, sorry). Sua sexualidade, diga-se de passagem, é extremamente reprimida pela mãe, que a infatiliza o tempo todo e lhe nega qualquer possibilidade de privacidade.

Assim como o cisne branco (do Lago dos Cisnes) precisa morrer para ter sua tão almejada liberdade, Nina buscará no cisne negro a sua libertação e, ainda que antagonicamente, sua perfeição (aos que não viram o filme, é um spoiler que não conta muita coisa).

Fazendo um contraponto do filme com experiências pessoais, nada mais atual do que a música do Belchior: ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais. A influência dos pais – no caso do filme, apenas a mãe, já que não há referência alguma a um genitor – na formação da personalidade dos filhos, principalmente no modo como encararão os mundo e seus problemas, pode ser desastrosa, como a esquizofrenia de Nina. Impor-se contra essa influência, bem como contra a pressão externa que cerca o sujeito, com exigências das mais variadas formas, requer esforço tamanho equiparável, muitas vezes, a matar sua própria personalidade.

O apelo sexual do filme, com a correlação entre ter um orgasmo e estar leve para fazer o cisne negro, são igualmente vivenciados por muitos: a transgressão das regras, das imposições, das repressões, através da libertação sexual (não necessariamente no sentido de liberdade) e da pulsão sexual – conceito psicanalítico assim definido:

O que Freud está nos colocando é que para lidar com o excesso de estimulação externa o aparelho psíquico possui uma saída motora que é a fuga, contudo para lidar com os estímulos internos pulsionais a coisa se complica para esse mesmo aparelho, pois a pressão constante da pulsão provoca a exigência de uma saída para o excesso de quantidade que circula. Desse modo, as pulsões movem o psiquismo e pressionam o organismo a encontrar saídas viáveis e assim impulsionam a própria vida no interior do aparelho mental e viabilizam a tarefa do sistema nervoso de lidar com os estímulos, de forma rudimentar, livrando-se deles, empurrando-os para fora. Assim, poderíamos observar o ponto de vista fisiológico, inicialmente no modelo típico do arco reflexo (estímulos externos) e depois, num segundo momento, nos caminhos pulsionais (estímulos internos). O ponto de vista fisiológico demonstraria como as pulsões abrem um caminho no interior do aparelho, buscando uma saída para a pressão constante e assim movem esse mesmo aparelho.

E:

Pulsão sexual é uma pulsão interna (endógena + psíquica) que, segundo a psicanálise, atua num campo muito mais vasto do que o das atividades sexuais, no sentido corrente do termo (pênis x vagina), ligadas a um objeto eleito. Nas pulsões sexuais se desenvolvem algumas características específicas, ou seja, o seu objeto não é pré-determinado biologicamente, como no instinto do animal, sendo as suas modalidades de satisfação (metas ou objetivos) variáveis, mais especificamente ligadas ao funcionamento de zonas corporais determinadas (zonas erógenas).

A repressão do sujeito, como um todo, tende a corresponder em uma igual repressão sexual ou, ao revés, levam este a exorcizar seus monstros no sexo, na sexualidade e/ou na sensualidade. Os desejos, as frustrações, as pressões, levam o sujeito a sublimá-los, no mais das vezes, no ato sexual em si.

Talvez a deturpação dos conceitos de Freud, resumidos popularmente em todos os nossos problemas derivam de nossa relação com a mãe e com o sexo não estejam tão errados, ao menos não no filme Black Swan (por favor, isto é uma ironia; não sou reducionista a este ponto).

Uma vez conheci uma pessoa com sérios problemas de infantilização e mimos, como a Nina de Black Swan, cujos pais influenciaram sobremaneira o modo como encarava os desafios que precisava enfrentar e a incapacidade de aceitar os fracassos e erros pessoais e/ou profissionais. Não por acaso confidenciou-me nunca ter tido um orgasmo.

Peço desculpas pelos pequenos spoilers contidos no texto, mas garanto que nenhum deles é capaz de diminuir a graça do filme, recomendando que não o deixem de assistir. O assunto (exigências externas e internas pela perfeição e o medo do fracasso, que levam à loucura) não poderiam ser mais atuais.

 

PS1: o título deste post é um trecho da música Perfeita Simetria, do Engenheiros do Hawaii.
PS2: as fotos que ilustram este post são oficiais de divulgação do filme Black Swan, por isso a ausência de citação de seus autores.

15 responses to this post.

  1. […] This post was mentioned on Twitter by MicMX, MicMX. MicMX said: “Era perfeita simetria; éramos duas metades iguais. O teu maior defeito talvez seja a perfeição”: http://bit.ly/dZQRfA #blog #BlackSwan […]

    Responder

  2. Fiquei impressionado com o filme também Mi. Acho que a Natalie Portman não deveria apenas ganhar o Oscar de Melhor Atriz 2010, mas o de melhor atuação da história do cinema. Se não fosse ela, tudo o que escreveste a respeito do filme não existiria.
    Um aspecto que achei muito interessante foi como a obsessão pelas coisas (no caso o balé) faz com que pessoas que poderiam ser livres e felizes se apegam a coisas banais e transformam aquilo na única razão para viver. No caso a obsessão da mãe pelo balé, transportada para a filha e vivenciada no palco.
    Um filme psicológico, maduro e certeiro.
    Beijos e parabéns pelo blog.

    Responder

    • Tens toda razão, Rafael. A Natalie transforma o filme de uma simples história sobre obsessão pelo balé em algo maravilhoso, instigante e que te prende ao enredo.
      Óbvio que grande parte da fixação da Nina pela dança deriva da obsessão da mãe pelo balé e imposição para que seja a bailarina que não pode ser.
      É como uma exigência: eu perdi minha carreira para ter você e agora você cumpre esse meu sonho como forma de pagamento. Claro que as relações e interações psicológicas entre mãe e filha não se limitam a isso, mas são bastantes influenciadas por.

      Muito obrigada pelo vir conhecer o blog e comentar.
      Beijos

      Responder

  3. Posted by Cristina Oliveira on 11 de fevereiro de 2011 at 20:28

    Oi…

    Não vi o filme ainda e quero vê-lo, por diversas razões. Contudo, fiquei cá com meus botões quando dizes… “Tudo o que cerca a vida de Nina é a pressão pela perfeição, a disputa entre as colegas de balé e o medo de errar, o qual pode decorrer tanto da falta de treino, como do avançar da idade. Este, aliás, como barreira intransponível: ainda que perfeita a balarina, a idade impõe-lhe o dever da aposentadoria. Esse discurso bem me lembra a profissão de modelo, em que a beleza e a perfeição tem prazo de validade curto e estanque, como mofos no pão que impedem seu aproveitamento como um todo”.

    O avanço da idade é algo que aparece no filme, como forma de barreira para o sucesso na carreira??? Pergunto por ter uma filha bailarina com formação clássica em uma escola com registro no mec (o normal são as academias e poucas são as escolas reconhecidas no brasil e formadoras de profissionais na área), com especialização em Cuba, na escola de Balé Clássico de Havana. Dançou clássico e acabou escolhendo e especializando-se em Dança Contemporânea. Possui DRT e dançou com coreógrafos importantes da Europa e do Brasil. Como passei muitos anos de minha vida envolvida no meio, posso dizer que essa é uma profissão onde a idade não é algo que serve de impedimento e muito pelo contrário. A prova disso é a conhecida Ana Botafogo, que continua dançando até hoje e com o mesmíssimo talento de sempre. Outra grande estrela mundial e com passagem pelo Brasil recentemente e que assegura o que digo, é o Mikhail Baryshnikov, um senhor que arrepia qualquer um que o vê dançar, até hoje. A vida de uma bailarina não é curta. Muito pelo contrário. O que eu não entendi é se é essa a idéia que o filme tenta passar, pois se for, deve ser algo criado pelo filme e para o filme, que não é o que temos na realidade.

    No entanto, já com relação a busca pela perfeição de movimentos e dos riscos constantes pelos repetição dos mesmos, isso sim é muito verdadeiro.

    Gostei de teu comentário e especialmente no que envolve a fotografia, pois percebi pelo pequeno pedaço que vi, que as cenas são bastante cuidadosas e instigantes. Nada como um filme que consegue unir bom roteiro, interpretação, direção e fotografia, envoltos no clima da música que completa cada cena…

    Beijos e vou ver se conseguirei assistir o filme amanhã!!!

    Cris

    Responder

    • Então, Cristina.
      Essa é uma “afirmação” do próprio filme. A primeira bailarina da companhia, interpretada pela Winona Rider, é aposentada “compulsoriamente” por estar “velha”. Em seu lugar entra a Nina (Natalie Portman).
      Não creio que o intuito do filme seja criar um caso específico apenas para o filme, bem como não acredito que a realidade seja diversa.
      Não estou negando que há ótimos bailarinos que dançam até o momento que considerem, eles mesmos, conveniente se aposentar. Mas isso não é a regra. Aliás, você só conseguiu me citar dois nomes conhecidos que permanecem trabalhando ativamente.
      Assim como ocorre com as modelos, algumas conseguem permanecer no ramo da moda, mas não desfilando e sim fazendo outras coisas. Quantas, contudo, conseguem isso? Principalmente se considerarmos a quantidade de modelos existentes?
      A Ana Botafogo, aliás, ampliou sobremaneira seu “repertório” de trabalho para que hoje continue fazendo aquilo que gosta. E no filme a personagem é aposentada, mas isso não quer dizer que ela não possa fazer outra coisa. Não mais será, contudo, a primeira bailarina, nem integrará mais a companhia.
      Sejamos sinceras: vivemos uma sociedade que desvaloriza tudo que fuja dos chamados “padrões”, sendo a idade fator preponderante para muitas coisas, principalmente mercado de trabalho (e isso em qualquer área).
      Provável que uma companhia, ao produzir um grande espetáculo, prefira bailarinas jovens do que as mais velhas. Não que estas não existam ou sejam ruins no que fazem, mas porque fogem do padrão de “perfeição”.
      Bem, assista o filme e tire suas próprias conclusões.
      Posso dizer que é um ótimo filme, independente de qualquer coisa.
      Bom final de semana.

      Responder

  4. Oi Mi! Adorei seu blog e os comentarios sobre o filme me instigaram a ve-lo…vou ver amanha. Beijos!

    Responder

  5. Oi,
    Entonces…
    Assisti ao filme há umas 2 semanas…Gostei.
    Começando pelas partes “clichÊs”, sim a atuação da Natalie Portman está deslumbrante. Talvez sua atuação “perfeita”(bem no contexto do filme) acabe por ofuscar as atuações do sempe competente Cassel e da surpreendente Mila Kunis (acho que é assim que escreve…).
    Você achou que é um filme de terror/suspense psicológico? pois então, é e muito bem feito, no que diz respeito ao terror, (tirando aquela cena em que as pernas dela dobram que achei desnecessária, mal feita e overrrrrrrr! uhauhauha)
    Quanto ao “psicológico”…bom, aí acho a parte mais fraca do filme. Primeiro que o Aronovski fica nesse jogo dual o tempo todo. Branco/negro; perfeição/imperfeição; técnica/paixão. Ele não consegue chegar na profundeza das questões. Talvez porque é um terreno que ele não domina ou porque tenha tentado polarizar em branco e preto aquilo que é tom de cinza. Ele abusa dos clichês psicológicos e nem a atuação competente da “mãe da Nina” salvam uma relação ” disfucionalmente estereotipada”.

    Eu gostei do filme. Mas se for pra escolher um filme do Aronovski, assisto novamente “O lutador”. É um filme mais simples e, por ironia ou não, mais sensível.

    Responder

    • Exato. A cena da perna dobrando é tipicamente para fazer o público “sentir dor”. Horrível e desnecessário.
      E, com certeza, os dilemas psicológicos são superficiais e clichês, com uma análise maniqueista dos dilemas da mãe e da filha.
      Creio que isso se deva muito ao público que se queria atingir. Foi um filme feito pensado no Oscar, na minha concepção e, portanto, ao contrário do Lutador, precisa marcar bem o “bem” e o “mal”. Apesar de o mundo não ser assim, a grande massa prefere filmes marcados com os extremos estanques. Vc pode ser bonzinho e virar malzinho, ou vice-versa; mas não pode ser os dois.
      Posso estar enganada, e provavelmente estou, mas o diretor me parece muito mais usar esse maniqueismo para “impulsionar” o filme e atrair mais público do que desconhecimento da complexidade dessas relações.
      O Lutador que o diga.
      Afastando essas questões, continuo achando o filme muito bom e que a Natalie Portman merece o Oscar só por ter perdido uns 10kg para fazer o filme, rs.

      Apareça mais pelos comentários.

      Responder

  6. […] as indicações. Contudo, para mim – se tal opinião importasse -, não teria como superar Black Swan naquela […]

    Responder

  7. […] a certeza, mas bem atrás em minha lista classificatória do Oscar de melhor filme. Ainda mantenho Cisne Negro e A Origem com empate técnico entre os favoritas, seguidos por O Discurso do Rei e, somente […]

    Responder

  8. […] que lhe deu origem. O ator, inclusive, deve ter perdido mais peso do que a Natalie Portman, no Cisne Negro, pois seu rosto apresentam profundas […]

    Responder

  9. […] Anette Benning disputando o Oscar de melhor atriz com Natalie Portman, fica difícil acreditar (até torcer) por sua vitória, o que não afasta o brilhantismo de sua […]

    Responder

  10. […] a época em que me meti a falar sobre filmes, principalmente os vencedores do Oscar das principais categorias, mas abandonei o tema por não ter assistido, na época (nem hoje), todos […]

    Responder

  11. Posted by allan victir on 31 de maio de 2013 at 15:11

    Ela não tem esquizofrenia, o que ela tem é psicose.

    Responder

Deixar mensagem para Dhian Cancelar resposta